quarta-feira, 14 de novembro de 2007

NUNO BRAGANÇA


Um dia peguei em uma caneta, em um tinteiro e em uma folha de papel, e fui sentar-me a uma pequena mesa em um pequeno gabinete, e escrevi no alto da folha e em letras grandes:
U OMÃI QE DAVA PULUS
Nuno Bragança, A NOITE E O RISO



Tendo sido um dos mais marcantes e originais autores da literatura portuguesa recente, Nuno Bragança é também um dos escritores portugueses mais esquecidos do grande público. Talvez devido à escassez da sua obra ou ao seu desaparecimento prematuro em meados da década de oitenta, não chegou a ser um escritor instituído e morreu antes de poder chegar a ser uma moda.

Três romances ímpares: A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI. Uma colectânea de contos: ESTAÇÃO. E uma novela póstuma: DO FIM DO MUNDO.
Assina o argumento de OS VERDES ANOS, filme inaugural do Cinema Novo Português e chega a co-realizar, com Gérard Castello-Lopes e Fernando Lopes o filme NACIONALIDADE: PORTUGUÊS.
Integra-se no grupo de Católicos Progressistas, juntamente com Alçada Baptista, João Bénard da Costa e Pedro Támen, que funda a revista O Tempo e o Modo.
Como tantos, conjuga uma carreira de funcionário público com uma vida activa nos bastidores da resistência ao regime ditatorial.
Nos pouco menos de vinte anos que vão da publicação de A NOITE E O RISO, em 1969, até à sua morte, Nuno Bragança vive, escreve, interpreta e reinventa a literatura, dando-nos uma visão singular dessa época tão emblemática da história recente de Portugal.
O que é singular em Nuno Bragança é o modo como concilia um catolicismo profundo e essencial à militância em movimentos de extrema esquerda, como alia uma existência de trabalhador cinzento a uma reinvenção fulgurante do romance, como consegue estar na vanguarda artística vindo de uma família aristocrata conservadora. Não há em Nuno Bragança contradições, tudo cabe na sua personalidade e no seu tempo.
Todos os tremores que o país sentiu nesses tempos de mudança foram lidos e interpretados por esse homem sismógrafo. De escritor cinéfilo a católico bombista: Nuno Bragança foi o tempo que viveu e o modo como o escreveu.

(...)- a inquietante escrita que fala de um homem que dá pulos, i.e., que cresce.
Manuel Gusmão, Prefácio à 3ª edição de A NOITE E O RISO

A escrita de Nuno Bragança caracteriza-se por possuir uma aparente componente autobiográfica muito acentuada. Depois de conhecer a sua obra e ao investigar um pouco sobre a sua vida, rapidamente se conclui que a vida do escritor está de alguma forma nos livros até ao mais ínfimo pormenor.
Se a sua obra se resume a cinco volumes publicados, podemos dizer que esses cinco volumes são o autêntico real absoluto da vida e personalidade do escritor: a vivência do escritor reduzida a essa entidade inicial que é a palavra.

E se a sua obra se resume a cinco volumes, podemos destacar de entre os cinco a trilogia formada pelos romances A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI. Três livros, como o princípio, meio e fim em que o escritor e argumentista estrutura a sua história ou como a santíssima trindade que o católico evoca.

A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI: os três grandes pulos de Nuno Bragança.

Na parede por cima da cabeceira havia três objectos: um alfange de fancaria que um amigo me trouxera de Alcácer Quibir, a carabina 22 automática e uma foto de eu-muito-puto a correr direito ao mar por uma estrada abaixo. A foto tinha por baixo uma legenda:
U OMÃI QE DAVA PULUS
Nuno Bragança, SQUARE TOLSTOI


Depois chupei o rabo da caneta, que sabia a lavado e a polido, e escrevi por baixo e em letras pequenas o seguinte:
U omãi qe dava pulus era 1 omãi qe
dava pulus grãdes. El pulô tantu qe saiu
pêlo tôpu.
Nuno Bragança, A NOITE E O RISO


Nuno Bragança era um homem que quis ser mais, mais alto, mais longe, mais verdadeiro, mais real. Um homem que nunca abdicou de se sonhar mais alto através de cada gesto, cada atitude, cada palavra. Um homem que dava de facto pulos grandes.

A 7 de Fevereiro de 1985 Nuno Bragança morre em Lisboa, no quarto de hotel onde se encontra hospedado. “A minha dificuldade portuguesa em encontrar a prosa certa não a desligo eu dessoutra que é a maneira certa de ser em Portugal. Nem vejo bem como uma possa ser resolvida sem a outra. (...) Sinto que pertenço a um País que em parte me não quer.” Um país que ainda hoje não sabe onde quer Nuno Bragança. Um homem que pulava tão alto que um dia saiu pelo topo.

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