sexta-feira, 16 de novembro de 2007

PASTILHAS PIRATA


Mais um item para as coisas desaparecidas que Portugal fabricou.


As pastilhas elásticas Pirata, as primeiras comercializadas por cá, provinham da Fábrica Diana, em Évora, pertencente ao Fomento Eborense. A par das pastilhas, publicavam também uma revista infantil com o mesmo nome.


Talvez seja da saudade, mas o sabor não tinha nada a ver com as de hoje, e eu sempre as preferi às Gorila.


A Fábrica Diana acabou por falir por altura do 25 de Abril. As Pirata desapareceram de circulação...




PIROLITO



Produto genuinamente português, o Pirolito, consistia de uma bebida gaseificada, comercializada numa garrafa que continha um berlinde no gargalo para conter a bebida. Conta quem é desse tempo que a grande atracção da bebida era justamente o dito berlinde, que se extraía partindo a garrafa, depois de consumida a bebida.

O pirolito foi comercializado por mais do que uma fábrica, havendo várias marcas de vários locais do país. As garrafas de pirolitos são hoje uma raridade, podendo encontrar-se algumas no Museu Municipal do Cadaval, onde existia uma fábrica da bebida. O Museu da Aldeia de São Jorge da Beira (antiga aldeia de Cebola), no concelho da Covilhã, junto às Minas da Panasqueira, também possui um exemplar da garrafa, pois também aí se fabricaram pirolitos.

Objecto de colecção, de arqueologia industrial e de memória colectiva, o Pirolito merece figurar na secção de raridades deste almanaque de coisas portuguesas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

NUNO BRAGANÇA


Um dia peguei em uma caneta, em um tinteiro e em uma folha de papel, e fui sentar-me a uma pequena mesa em um pequeno gabinete, e escrevi no alto da folha e em letras grandes:
U OMÃI QE DAVA PULUS
Nuno Bragança, A NOITE E O RISO



Tendo sido um dos mais marcantes e originais autores da literatura portuguesa recente, Nuno Bragança é também um dos escritores portugueses mais esquecidos do grande público. Talvez devido à escassez da sua obra ou ao seu desaparecimento prematuro em meados da década de oitenta, não chegou a ser um escritor instituído e morreu antes de poder chegar a ser uma moda.

Três romances ímpares: A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI. Uma colectânea de contos: ESTAÇÃO. E uma novela póstuma: DO FIM DO MUNDO.
Assina o argumento de OS VERDES ANOS, filme inaugural do Cinema Novo Português e chega a co-realizar, com Gérard Castello-Lopes e Fernando Lopes o filme NACIONALIDADE: PORTUGUÊS.
Integra-se no grupo de Católicos Progressistas, juntamente com Alçada Baptista, João Bénard da Costa e Pedro Támen, que funda a revista O Tempo e o Modo.
Como tantos, conjuga uma carreira de funcionário público com uma vida activa nos bastidores da resistência ao regime ditatorial.
Nos pouco menos de vinte anos que vão da publicação de A NOITE E O RISO, em 1969, até à sua morte, Nuno Bragança vive, escreve, interpreta e reinventa a literatura, dando-nos uma visão singular dessa época tão emblemática da história recente de Portugal.
O que é singular em Nuno Bragança é o modo como concilia um catolicismo profundo e essencial à militância em movimentos de extrema esquerda, como alia uma existência de trabalhador cinzento a uma reinvenção fulgurante do romance, como consegue estar na vanguarda artística vindo de uma família aristocrata conservadora. Não há em Nuno Bragança contradições, tudo cabe na sua personalidade e no seu tempo.
Todos os tremores que o país sentiu nesses tempos de mudança foram lidos e interpretados por esse homem sismógrafo. De escritor cinéfilo a católico bombista: Nuno Bragança foi o tempo que viveu e o modo como o escreveu.

(...)- a inquietante escrita que fala de um homem que dá pulos, i.e., que cresce.
Manuel Gusmão, Prefácio à 3ª edição de A NOITE E O RISO

A escrita de Nuno Bragança caracteriza-se por possuir uma aparente componente autobiográfica muito acentuada. Depois de conhecer a sua obra e ao investigar um pouco sobre a sua vida, rapidamente se conclui que a vida do escritor está de alguma forma nos livros até ao mais ínfimo pormenor.
Se a sua obra se resume a cinco volumes publicados, podemos dizer que esses cinco volumes são o autêntico real absoluto da vida e personalidade do escritor: a vivência do escritor reduzida a essa entidade inicial que é a palavra.

E se a sua obra se resume a cinco volumes, podemos destacar de entre os cinco a trilogia formada pelos romances A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI. Três livros, como o princípio, meio e fim em que o escritor e argumentista estrutura a sua história ou como a santíssima trindade que o católico evoca.

A NOITE E O RISO, DIRECTA e SQUARE TOLSTOI: os três grandes pulos de Nuno Bragança.

Na parede por cima da cabeceira havia três objectos: um alfange de fancaria que um amigo me trouxera de Alcácer Quibir, a carabina 22 automática e uma foto de eu-muito-puto a correr direito ao mar por uma estrada abaixo. A foto tinha por baixo uma legenda:
U OMÃI QE DAVA PULUS
Nuno Bragança, SQUARE TOLSTOI


Depois chupei o rabo da caneta, que sabia a lavado e a polido, e escrevi por baixo e em letras pequenas o seguinte:
U omãi qe dava pulus era 1 omãi qe
dava pulus grãdes. El pulô tantu qe saiu
pêlo tôpu.
Nuno Bragança, A NOITE E O RISO


Nuno Bragança era um homem que quis ser mais, mais alto, mais longe, mais verdadeiro, mais real. Um homem que nunca abdicou de se sonhar mais alto através de cada gesto, cada atitude, cada palavra. Um homem que dava de facto pulos grandes.

A 7 de Fevereiro de 1985 Nuno Bragança morre em Lisboa, no quarto de hotel onde se encontra hospedado. “A minha dificuldade portuguesa em encontrar a prosa certa não a desligo eu dessoutra que é a maneira certa de ser em Portugal. Nem vejo bem como uma possa ser resolvida sem a outra. (...) Sinto que pertenço a um País que em parte me não quer.” Um país que ainda hoje não sabe onde quer Nuno Bragança. Um homem que pulava tão alto que um dia saiu pelo topo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

CAMPO GRANDE



Quem se lembra dos carrinhos a pedais no Campo Grande?

Esta foto de 1979 documenta esse pedacinho das infâncias em Lisboa no pós-25 de Abril.

Havia vários modelos, com capota, sem capota. Em primeiro plano está este castanho, com matrícula CATARINA-14-06, mas ao fundo, à direita já vem a entrar na curva um outro branco, também descapotável.

Havia mais coisas no Campo Grande da altura, que entretanto se perderam.

Em primeiro lugar, a Piscina, com o café e esplanada, onde vivia um teimoso e genuíno pavão.

Depois, o Cinema Caleidoscópio, com sessões infantis (Bambi e outras animações dobradas em brasileiro) e ao lado, o lago com os barcos a remos.

LUSITO


Nos anos cinquenta o empresário António Gonçalves Baptista quis construir a primeira linha de automóveis de fabrico português.
A ideia fermentou, e em 1954 o Lusito era apresentado à imprensa nacional, que o recebeu com júbilo - Portugal iria ter a sua própria marca de automóveis.
O Lusito era um veículo com capacidade para dois passageiros. Simpático e maneirinho, muitos anos antes dos Smarts e dos problemas de estacionamento.
Porém, por razões que o coração desconhece, a firma AGB apenas produziu um exemplar, aquele mesmo que apresentou à imprensa e que veio a receber a matrícula IG-20-93.
O Lusito é, assim, um objecto mítico do século XX português, que merece figurar neste almanaque...

domingo, 11 de novembro de 2007

MARIA JUDITE DE CARVALHO


Para inaugurar este blog de resgate de pessoas e coisas, um nome, escolhido um pouco ao acaso, de entre muitos que andam muito injustamente esquecidos.

Biografia Breve

Nasceu em Lisboa em 1921. Faleceu em 1998.
Depois dos estudos no colégio feminino francês e no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho frequentou, na antiga Faculdade de Letras de Lisboa, o curso de Filologia Germânica. Em 1949, ano em que se casou com o escritor Urbano Tavares Rodrigues, foi viver para França (Montpellier e Paris).
Foi apenas após o regresso de França, já quase com quarenta anos, que divulgou os seus contos em livro.
Em 1959, publicou Tanta Gente, Mariana, uma obra considerada pela imprensa da época como uma revelação. Dois anos depois ganha o Prémio Camilo Castelo Branco com As Palavras Poupadas. Contudo, Maria Judite de Carvalho publicara em 1949 o seu primeiro conto na revista Eva e em 1953 enviara as «Crónicas de Paris» para a mesma revista. A partir de 1968 foi redactora e colaboradora em diversas publicações e jornais. As história escritas nos jornais e nas revistas constituem documentos essenciais para o estudo da obra da autora, que integra crónicas, novelas, romances, poesia e teatro.

Levanta-se da mesa. Lá fora, num relógio qualquer, batem duas horas. Daí a momentos, daí a uma eternidade, levantar-se-á da mesa outra vez. E amanhã. E depois. E daí a muitos anos. Tudo morre à noite, dizia Claude. Mas não, a vida é longa, desliza e corre sem uma quebra. Uma sucessão de acontecimentos, uma corrente sem fim de palavras ditas e de palavras poupadas. Dessas principalmente.
In Palavras Poupadas


Desde muito cedo Maria Judite de Carvalho viveu com as tias paternas, tendo pouco contacto com os pais que viviam na Bélgica. O período da infância determinou o seu olhar sobre a vida. O luto e o sofrimento foi uma constante com a morte das tias, da mãe e o desaparecimento do pai aos quinze anos.
A crítica literária tem vindo a associar a escrita da autora a uma literatura intimista e autobiográfica.

«o seu olhar adulto, desencantado, não pousa nos aspectos exteriores da vida: concentra-se todo nos dramas íntimos e nos pormenores – palavras, gestos, objectos carregados de sentido – que subtilmente os denunciam»
Cf. Jacinto Prado Coelho in Jornal de Letra e Artes 25-7-1962

Lisboa constitui um espaço fundamental de identificação. A casa onde vivia situava-se na Praça da Alegria, local privilegiado para acompanhar as diferentes fases de crescimento da cidade. A transformação das casa velhas das avenidas em edifícios de betão ficaram gravadas na memória da escritora e foram sempre lembradas como momentos decisivos de uma relação íntima que manteve com o lugar onde nasceu. O balançar entre as zonas novas e velhas da cidade. Os seus percursos habituais – A Avenida da Liberdade, o Rossio, a Baixa, o Terreiro do Paço, o rio Tejo. As figuras observadas no dia-a-dia transformando-se em personagens “reais” da narrativa ficcional.
Tudo isto se encontra já na novela Tanta Gente, Mariana e será sempre uma constante tanto nos contos como nas crónicas.

«As crónicas que escreve desenham-se, por vezes, com a mesma nítida grafia de certas páginas descritivas de Irene Lisboa. Já o mesmo não sucede quando se volta para o interior de si própria ou dos seres cujas íntimas frustrações descreve. Então supera a mestra: a mestra não descia tão fundo.»
João Gaspar Simões


Toda a escrita de Maria Judite de Carvalho se situa geralmente em cenários de pequena burguesia urbana onde o conflito é representado, normalmente, por vozes femininas que, à força dos trilhos da vida, tecem labirintos fechados sobre si mesmas. São mulheres anónimas e sem horizontes para as suas vidas, que aceitam a sua condição com resignação e espírito de sacrifício.
As narrativas sóbrias e irónicas estão cheias de pequenos mundos onde vegetam mulheres cansadas, surdas, fora de si mesmas. Mulheres que vagueiam em realidades ínfimas e banais, num estado de sereno desespero em que parecem ignorar “O porquê de estar neste mundo à espera de coisa nenhuma”.


Obras da autora (últimas edições)

Tanta Gente, Mariana (contos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1988.
As Palavras Poupadas (contos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1988. (Prémio Camilo Castelo Branco)
Paisagem sem Barcos (contos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1990.
Os Armários Vazios (romance), Lisboa, Livraria Bertrand, 1978.
O Seu Amor por Etel (novela), Lisboa, Movimento, 1967.
Flores ao Telefone (contos), Lisboa, Portugália Editora, 1968.
Os Idólatras (contos), Lisboa, Prelo Editora, 1969.
Tempo de Mercês (contos), Lisboa, Seara Nova, 1973.
A Janela Fingida (crónicas), Lisboa, Seara Nova, 1975.
O Homem no Arame (crónicas), Amadora, Bertrand Editora, 1979.
Além do Quadro (contos), Lisboa, O Jornal, 1983.
Este Tempo (crónicas), Lisboa, Editorial Caminho, 1991. (Prémio da Crónica da Associação Portuguesa de Escritores).
Seta Despedida (contos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1995. (Prémio Máxima, Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários, Grande Prémio do Conto da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Vergílio Ferreira das Universidades Portuguesas)
A Flor Que Havia na Água Parada (poemas), Lisboa, Publicações Europa-América, 1998 (póstumo).
Havemos de Rir! (teatro), Lisboa, Publicações Europa-América, 1998 (póstumo).
Diários de Emília Bravo (crónicas) Organização de Ruth Navas, Lisboa, Editorial Caminho, 2002.